mostra gratuita de 24 a 29 de abril de 2023.

Nas Vazantes do Rio Aracoiaba, lugar onde os pássaros cantam, nada está como antes…

 

Fe y Alegria” (FyA) são duas palavras cheias de magia e vigor, traduzindo, assim, a proposta de “movimento de educação popular integral”, internacional, inspirada na pedagogia educacional jesuíta. Criado na Venezuela, em 1955, esse movimento chegou ao Brasil em 1981 e, nas Vazantes do Rio Aracoiaba, em 2005. Apesar de produzir frutos diferentes em cada terreno novo, FyA nasce de três raízes comuns: a demanda de educação, o apoio da comunidade e a orientação pedagógica jesuíta.

 

Vazantes, distrito de Aracoiaba, semiárido cearense, foi emancipado em 1963, mas, por conta da ditadura militar, o novo município não foi criado, perdendo sua oportunidade histórica e caindo em certo isolamento. Mesmo assim, esse pequeno lugar sempre teve destaque na atuação de educadores, articulando as suas duas escolas públicas, movimentando a comunidade e formando muitas gerações. No entanto, em 2004, houve a ameaça de fechamento de sua escola de ensino médio (Escola João Alves Moreira – EJAM), em razão do baixo número de matrículas (menos de 200) e elevado índice de evasão. Os educadores, junto com as lideranças da comunidade, reuniram-se e criaram um movimento “Vazantes vive” para movimentar a comunidade e defender a escola, além de recorrer também a um jesuíta, filho da terra e educador.

 

Assim, uma série de ações voluntárias e criativas chamaram a atenção de todos e provocaram a visita técnica de uma diretora da Fundação Fé e Alegria do Brasil, para avaliar as condições de criação de uma unidade do movimento no Ceará. O parecer da professora Raimunda Cadó foi determinante: “Se essa comunidade não tem condições para uma unidade de FyA, nenhum lugar terá”. E assim aconteceu, com a criação da unidade Ceará da Fundação: os sonhos foram transformando-se em projetos e, os projetos, em realizações, sob a liderança das professoras Francimayre Maia e Antônia Ferreira, sempre contando com apoio de outros educadores das escolas. O movimento criou um dinamismo novo, fazendo surgir várias atividades de apoio escolar (Pré-vestibular, reforço escolar, brinquedoteca, campanha de livros para uma biblioteca, etc.), muitos grupos culturais (flautas, quadrilha, dança regional, balé, maracatu, capoeira, uma pequena banda, dança dos idosos, etc.) e algumas ações de geração de renda (padaria e confeitaria comunitária, fabricação de produtos de limpeza, corte e costura, artesanato, etc.).

 

Todo esse esforço comunitário chamou a atenção e foi reconhecido por instituições de apoio e financiamento, das quais passo a mencionar as principais. Uma organização social alemã (Sozialwerk Brasilienhilfe), fundada pelo jesuíta Padre Günter, aprovou a construção de dois importantes equipamentos públicos: o Centro de Desenvolvimento Educativo e Comunitário (CEDEC, 2007) e a Galeria de Economia Solidária e Lazer Comunitário (Galeria, 2010), espaços totalmente diferenciados. Graças a esses investimentos, uma mantenedora jesuíta (ANEAS) pode entrar com uma contrapartida financiando os projetos sociais realizados nesses espaços. Significativo também foi o apoio do grupo PROVER, da Volkswagen: a doação de uma Kombi possibilitou uma série de atividades e transporte das pessoas, em uma localidade de tão difícil acesso. Outras conquistas da comunidade, nestes últimos 15 anos, merecem destaque, associadas, direta ou indiretamente à atuação de FyA e ao protagonismo dos educadores: primeiro, a escola estadual (EJAM), antes ameaçada de fechar, uniu-se a outra unidade vizinha e foi emancipada (2010); além da reforma da EJAM “por dentro e por fora”, a nova escola alcançou bons indicadores e destaque na região e, no final de 2020, foi elevada à categoria de “Escola de Tempo Integral”; no mesmo passo, a escola municipal (Escola Capitão Antônio Joaquim – ECAJ), de ensino fundamental, foi reformada e recebeu uma nova unidade (ainda sem funcionamento), além de ter ganhado uma “Creche modelo” padrão federal (Creche Raimundo Bento de Oliveira Maia – CRBOM) e uma quadra de esportes. Portanto, hoje, Vazantes é um verdadeiro Polo Educacional.

 

A vocação cultural da comunidade também foi intensificada, graças a uma renovação do calendário de praticamente todas as festas da comunidade, além de eventos totalmente inovadores que entraram na agenda, sobretudo a partir de  2013: primeiro, a criação da Mostra “Curta Vazantes”, cinema em comunidade, sob a liderança de Leo Tabosa, atuando desde 2014 (em junho, aniversário do FyA Vazantes) e, segundo, a experiência do Voluntariado Universitário, reunindo estudantes de universidades jesuítas da Espanha e de Pernambuco (parceria da Unicap, Instituto Humanitas e Magis Brasil, experiência que se repete durante todo o mês de julho).

 

No desafiador ano de 2020, FyA Vazantes completou 15 anos, com um grande legado, mas teve que cancelar muitas atividades por conta da pandemia. No entanto, por um lado, atuou na assistência às famílias mais necessitadas, e, por outro, ofereceu apoio às escolas em parceria firmada com Unicap e a Prefeitura de Aracoiaba (agosto de 2020): projetos de extensão (ciclo de conferências para educadores e também para alunos das escolas), criação de Pré-universitário para reforçar preparação para o Enem, e, finalmente, a criação do 1º Polo EAD do FyA do Brasil, com base no CEDEC e acessível a todo o município, com a oferta inicial de Licenciaturas, mediante a oferta de bolsas.

 

Nesses anos de atuação na comunidade, portanto, muitas foram as conquistas associadas ao FyA, direta ou indiretamente. E, para coroar esse relato, importa destacar a aprovação de um projeto governamental que vai facilitar o acesso e melhorar a estrutura urbana de Vazantes. Acontece que, em 2016, começaram as obras de uma estrada importante (CE 464), mas passando, como convém, por fora da localidade e gerando certo isolamento, cruzamentos perigosos e difícil acesso. Por isso, no mesmo ano, a Fundação FyA, junto com as lideranças da comunidade, entrou com um projeto complementar, endereçado ao governador do Estado, Camilo Santana: inicialmente, o projeto não alcançou êxito, mas continuamos insistindo e, no início de 2021, o governador assinou a ordem de serviço para a construção de uma interseção da CE 464 com a localidade, além da construção de uma avenida de 1,8 km, interligando todos os equipamentos públicos e estruturando a urbanização do distrito, batizada como Avenida Fé e Alegria. Ironicamente, essa conquista pública nos remete a uma célebre frase do grande fundador do movimento, Padre Velaz: “Onde acaba o asfalto, começa Fé e Alegria”. Agora, porém, é preciso completar ou fazer uma nova sentença, como por exemplo: onde o movimento “Fé e Alegria” começa, tudo se transforma. Seja como for, deveríamos ter cantado, no início dessa aventura, algo assim: com Fé e Alegria em Vazantes, “sei que nada será como antes, amanhã…” (Milton Nascimento).

 

P. Pedro Rubens Ferreira Oliveira, Jesuíta, filho de Vazantes, Conselheiro da Fundação

Fé e Alegria do Brasil, Reitor da Universidade Católica de Pernambuco.

Mostra Curta Vazantes – Cinema em Comunidade

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